Opinião

Vila de Abrantes: 266 anos de um legado à espera de reconhecimento

 
 

O percurso histórico da existência de Vila de Abrantes começa em 1558, quando foi criada a Aldeia do Divino Espírito Santo (hoje Catu de Abrantes) sob a liderança dos padres jesuítas. Estes reuniram índios de várias aldeias tupinambás ao redor de uma capela de taipa, sob o comando do padre João Gonçalves e do ex-soldado Antônio Rodrigues, às margens do Rio Joanes, na divisa com o Distrito de Portão, em Lauro de Freitas.

Posteriormente, em 1562, após a expulsão dos padres jesuítas, foi erguida a Igreja de “Santos Spiritus” (hoje conhecida como Igreja do Divino Espírito Santo), localizada na Praça da Matriz, em Vila de Abrantes. Nesse local, sete aldeias se uniram, reunindo cerca de mil pessoas, entre índios e portugueses.

A aldeia passou à categoria de Vila, que, na época, equivalia ao status de cidade, por provisão de um conselho denominado Concelho Ultramarino. Este, mediante um Alvará Régio, datado de 27 de setembro de 1758, instituiu Vila Nova do Espírito Santo de Abrantes – hoje Vila de Abrantes – com a inauguração da Casa da Câmara e da cadeia municipal (Senado da Câmara e Pelourinho), formando o centro administrativo da cidade de Abrantes.

Entre os séculos XVIII e XIX, Abrantes passou a ser administrada pela Marquesa de Niza, através de Tomás da Silva Paranhos, que enviava juros e rendas (enfiteuses e laudêmios) até adquirir a propriedade. Este latifundiário deixou nove herdeiros, entre eles Maria Joaquina da Silva Paranhos, casada com José Garcez Montenegro, de quem descende o desembargador Tomás Garcez Paranhos Montenegro.

No final do século XIX, com a expansão da malha ferroviária baiana, a cidade de Abrantes perdeu importância econômica, outrora sustentada pela ocupação jesuíta e pela limitada exploração agrícola nas terras da Marquesa de Niza. O desenvolvimento do interior baiano eclipsou o prestígio de Abrantes, e a sede do município foi transferida para Parafuso, onde se construiu uma estação de trem. No entanto, por influência política, a sede voltou a Abrantes em 1892.

A primeira composição administrativa da sede de Vila de Abrantes incluía os distritos de Abrantes, Monte Gordo e Ipitanga (atual Lauro de Freitas). A Lei Municipal de 22 de março de 1920 criou o distrito de Camaçari, com território desmembrado de Abrantes, criação confirmada pela Lei Estadual nº 1422, de 4 de agosto do mesmo ano.

Em 28 de julho de 1925, a Lei Estadual nº 1809, alterou o nome para Montenegro, em homenagem ao desembargador Tomás Garcez Paranhos Montenegro, e transferiu a sede para o Arraial de Camaçari, que foi elevado à categoria de vila. Contudo, em 1938, por manobra política, o Decreto-Lei Estadual nº 10.724, de 30 de março, determinou que todos os municípios deveriam adotar o nome de suas respectivas sedes. Com isso, Vila de Abrantes perdeu a categoria de cidade e com o distrito de Monte Gordo, passaram a pertencerem a Camaçari.

Vale lembrar, que desde sua criação em 1920, Camaçari não existia como cidade, mas historicamente como a Fazenda “Kamasary”, nome que se derivou da abundância de uma árvore típica da região.

Na história, em 29 de setembro de 1957, o prefeito José Evaristo de Souza, levou à Câmara Municipal uma mensagem instituindo o Dia de Abrantes, a ser comemorado no primeiro domingo após o dia 28 de setembro de cada ano. Não se sabe quando exatamente, mas o município passou a celebrar sua emancipação política nessa data, restando para Vila de Abrantes apenas o desfile cívico, realizado no último domingo anterior ao dia 28 de setembro.

Apesar da rica e importante história de Vila de Abrantes, o que se observa ao longo do tempo é uma desvalorização de sua importância política e cultural. A cidade, que já foi a sede de um dos mais antigos núcleos coloniais do Brasil, perdeu gradativamente seu protagonismo com a transferência da sede administrativa para Camaçari, em uma manobra claramente orientada por interesses políticos. 

A falta de reconhecimento contínuo é preocupante, pois Vila de Abrantes carrega consigo uma herança cultural que deveria ser constantemente celebrada, não apenas em eventos esporádicos. Ainda assim, o espírito da cidade sobrevive em sua arquitetura histórica e na memória de seu povo. Vila de Abrantes permanece como um tesouro oculto na Bahia, repleto de tradições e histórias que enriquecem a região e fazem dela um lugar singular, digno de resgate e valorização constante.

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