Moradores contestam nova tentativa de tombamento da Fonte do Buraquinho por grupo sem vínculo com Abrantes
Uma associação com menos de dez anos de existência voltou a provocar controvérsia em Vila de Abrantes, ao reapresentar um pedido de tombamento da tradicional Fonte do Buraquinho. A iniciativa reacendeu o debate sobre a legitimidade da proposta e gerou indignação entre os moradores da comunidade, que questionam os vínculos históricos e culturais do grupo proponente.
Segundo os moradores, os integrantes da associação não possuem ancestralidade ou laços com a história local, e estariam tentando construir uma narrativa cultural artificial, desconectada da memória coletiva da vila.
Histórico da tentativa e parecer do IPHAN
Essa não é a primeira vez que o grupo tenta emplacar o reconhecimento oficial da fonte. Em abril de 2019, a associação já havia solicitado o tombamento junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas teve o pedido indeferido por falta de comprovação documental e histórica.
De acordo com o parecer técnico do órgão, o processo se baseava unicamente em relatos orais, sem qualquer respaldo de fontes confiáveis ou registros que atestassem o valor cultural alegado.
Na época, técnicos do IPHAN estiveram em Vila de Abrantes, onde ouviram moradores antigos e lideranças comunitárias. Os depoimentos colhidos contrariaram as alegações do grupo, reforçando que a fonte sempre teve caráter funcional e comunitário — usada apenas como ponto de abastecimento de água e para tarefas domésticas. Nenhum dos entrevistados mencionou práticas religiosas associadas ao local.
Na ocasião, a associação tentou alterar o contexto simbólico da fonte, apelidando o local como “Fonte das Lavadeiras” — nome que, segundo os moradores, jamais foi usado pela população nativa. A mudança causou ainda mais revolta, sobretudo entre os mais velhos, que veem na atitude do grupo uma tentativa de desvirtuar a verdadeira história da Fonte.
A voz da comunidade e o clamor por respeito à memória
Moradores exigem critérios técnicos rigorosos por parte das autoridades e pedem que o grupo deixe de intervir em uma história que não lhes pertence. “A identidade histórica de um lugar não pode ser reinventada de forma artificial, sem o respaldo da comunidade que vive ali e conhece sua história. Estamos abertos à preservação do que for legítimo, mas não podemos aceitar manipulações que distorcem a história do nosso território”, afirmou um morador que preferiu não se identificar.
Já para Bety da Saúde, liderança comunitária com atuação na política de Abrantes, o tombamento da fonte é necessário — mas deve ser conduzido com base na verdade e no protagonismo do povo local. “A Fonte do Buraquinho é um marco histórico e um patrimônio vivo da nossa comunidade. A história está sendo mudada, e história não se muda. Temos que combater esse mal!”, protestou.
A moradora Cristina Duarte, adepta do Candomblé, também se posicionou com firmeza contra o que classifica como uma tentativa oportunista: “O que vemos é um claro sinal de oportunismo, falsidade ideológica, pela mentira que está sendo pregada. Eu, como mulher firme na minha religião, uma mulher de terreiro que já sofreu tanto preconceito e discriminação, não posso permitir que a nossa região seja usada para propagar mentiras”, afirmou.
O grupo ligado à associação agendou um debate público às 8hs do dia 14 de junho de 2025, na Escola Maclina Maria da Glória, no Phoc de Abrantes. A comunidade de Vila de Abrantes segue mobilizada para defender sua história e evitar que vozes externas, sem vínculo legítimo com o território, se apropriem de narrativas e interfiram no curso histórico da comunidade. O debate permanece aberto, mas os moradores exigem que qualquer processo de preservação respeite a memória coletiva da majestosa história de Abrantes.